Desde a Grécia
antiga surgiram pensamentos como de Epícuro, no sentido de que a vida era só
matéria, sendo mero acaso e caos. Assim pra sermos felizes deveríamos ter o
máximo de prazer e evitar a qualquer custo o desprazer, a dor e o sofrimento,
pois a vida acabava com a morte. Os próprios filósofos da época de Epícuro
rejeitaram seu pensamento acerca da felicidade, uma vez que cada ser humano
tinham anseios pelos valores transcendentais, quais sejam, verdade, bondade ou
justiça e a beleza. Esses valores transcendentais estavam fora da matéria,
sendo que algumas atitudes humanas poderiam refletir esses valores, e nisso
consistia a verdadeira felicidade, além de apontar para a existência fora da
realidade material e uma vida após a morte.
Na atual pós-modernidade parece que
pensamentos "epicuristas" foram renovados no famigerado hedonismo, aliado a um
forte individualismo, em que a felicidade seria gozar o máximo de prazer e
evitar qualquer tipo de sofrimento, dor e dissabor. E numa visão cristã
reformada, como se resolveria o problema do sofrimento? O sofrimento seria um
empecilho para a felicidade? A resposta preliminar é um sonoro NÃO. Mas a
resposta será dividida em duas linhas, a "primeira intelectual e lógica, e a
segunda existencial".
No aspecto intelectual se o mundo fosse relativista e sem
sentido o sofrimento não seria um mal, nós só o julgamos assim porque temos uma
base moral, e na comparação do que é o bom podemos aferir que o sofrimento é
ruim, e que ele necessita perverter algo perfeito. É claro que essa estrutura
moral vem do Deus trino, pessoal, bondoso e amoroso. Então, o sofrimento não
refuta a existência de Deus, pelo contrário a confirma. Sabemos que todo o
sofrimento que experimentamos se deu em razão da queda do homem, por ter se
rebelado contra Deus, conforme a narrativa de Gênesis 3.
No aspecto existencial,
como o sofrimento é uma experiência comum do ser humano, a questão é, mesmo
Deus não tendo dado qualquer causa para o sofrimento resolveu sofrer na pessoa
de Cristo, experimentando o sofrimento, conforme “Porque não temos um sumo sacerdote que não
possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi
tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para
que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em
tempo oportuno”.Hebreus 4:15-16. Deus não é insensível
e alienado ao sofrimento, mas alguém que carregou sobre si e redimiu todos
efeitos da queda do homem.
Por fim, o sofrimento desta vida presente não é excludente
da felicidade, ele apenas nos torna moralmente fortalecidos, e nos faz
experimentar os paradoxos da vida. Por exemplo, um pai não abandona seu filho
quando ele começa a lhe trazer sofrimento; um cônjuge não se divorcia do outro
quando supostamente deixou de gostar dele, mas se esforça pra cumprir seu voto;
um filho não abandona seus pais em casa de repouso só porque a velhice chegou e
está dando trabalho. Pelo contrário, é o cumprimento dos nossos deveres morais
mesmo no sofrimento é o que vai nos trazer a verdadeira felicidade sólida e não
uma superficial euforia. Como Paulo afirma: “entristecidos, mas sempre alegres; pobres, mas
enriquecendo a muitos; nada tendo, mas possuindo tudo”. 2 Coríntios
6:10. “Sei o que é passar necessidade e sei o que é ter fartura. Aprendi o
segredo de viver contente em toda e qualquer situação, seja bem alimentado,
seja com fome, tendo muito, ou passando necessidade”.Filipenses 4:12.
Essa
perspectiva cristã ajuda no cultivo das virtudes teologais da "fé, amor e
esperança", e quando temos o incômodo de vermos os outros sofrerem e de que
existe algo com o sofrimento, sempre temos aquela vontade de voltar para o lar.
Essa repulsa do sofrimento é a lembrança que temos do Paraíso, e aguardamos a
volta de Cristo em que todo mal e sofrimento será aniquilado.
Comecei o texto falando da Grécia
antiga e também acabando falando dela, por incrível que pareça essa perspectiva
cristã do sofrimento, de amarmos nossos próximos e semelhantes sacrificalmente
nas situações acima, fortalecendo nossos compromissos morais, também reflete os
transcendentes de verdade, bondade ou justiça e beleza. Só o cristianismo pode
oferecer uma narrativa tão bela assim!
Por: Davi Ferreira